Grounding e Parto


  
Como o Grouding pode ajudar a mulher 
no trabalho de parto e parto

1. Introdução
No atual movimento pela humanização do parto, quando defendemos um parto fisiológico natural, não podemos esquecer os processos psíquicos relacionados aos movimentos corporais provocados pela gestação e parto. Ao mesmo tempo em que as mudanças fisiológicas interferem no psiquismo da mulher, são influenciadas por ele. Isso resulta num processo de transformações que solicita da mulher um forte senso de realidade capaz de oferecer segurança para entregar-se e enfrentar os medos e incertezas que normalmente afloram neste período, especialmente no momento do trabalho de parto e parto. Buscamos na Bioenergética o conceito de grounding como o suporte necessário para esse momento.

2. Bioenergética
A Bioenergética é uma forma de terapia desenvolvida por Alexander Lowen e John Pierrakos. Eles iniciaram o trabalho numa parceria, em 1953, enquanto alunos de Wilhelm Reich. A parceria terminou em 1973 e cada um seguiu seu trabalho em linhas diferentes.
Lowen definiu a Bioenergetica como “uma maneira de entender a personalidade em termos de corpo e de seus processos energéticos” e como uma “uma forma de terapia que combina o trabalho com o corpo e com a mente para ajudar as pessoas a resolverem seus problemas emocionais e melhor perceberem o seu potencial para o prazer e para a alegria de viver” (Lowen e Lowen, 1977). A Bioenergética se baseia na tese de que o que acontece na mente reflete o que está acontecendo no corpo e vice e versa.
O objetivo desta terapia é levar a pessoa a entrar em contato consigo mesma através do contato com o seu corpo. Num processo de autoconhecimento, a pessoa é apoiada para que possa ir se entregando para os seus movimentos internos, dissolvendo as couraças corporais e percebendo a vida pulsante dentro do seu corpo como uma sensação de vibração, liberdade interna e alegria.
Para que isso aconteça, é preciso que o ego esteja plenamente ancorado no corpo, identificado com este corpo e sem medo de experienciar os movimentos involuntários deste corpo, como acontece no trabalho de parto e no parto.
Podemos dizer que o foco principal da Bioenergética é o desenvolvimento da respiração ampla, grounding e o desbloqueio das couraças corporais para que a pessoa possa adquirir independência, autonomia e liberdade para expressar sua própria verdade e viver a alegria plena.

a. Couraça
As couraças são tensões corporais crônicas que bloqueiam o livre fluir da energia corporal e limitam a pulsação da vida no nosso corpo/mente. Elas guardam as lembranças de situações mal resolvidas do passado, quando nossos impulsos foram suprimidos e nossas ações congeladas. Elas se desenvolveram num momento de medo para nos proteger do sofrimento e permanecem nos paralisando muito tempo depois da causa primeira ter acontecido. Para não sentirmos a dor, tencionamos inconscientemente partes do nosso corpo onde se encontram registradas as vivências que nos fizeram sofrer. A couraça nos impede de sentir a dor e também nos impedirá de sentir a alegria, de sentir a vida... Quanto mais couraças importantes tivermos mais estaremos paralisados e insensíveis ao movimento da vida. Vivemos e sentimos então de modo limitado e restrito, passando pelas experiências de modo superficial.

b. Grounding
É um conceito chave da Bioenergética. Pode ser definido com “enraizamento”. É o contato que a pessoa tem com o chão, com a terra, com seu corpo, com a sua realidade.
O grounding básico é feito através de pés e pernas fortes e energizados. Esta ênfase foi dada por Lowen. Outros estudiosos, como David Boadella incorporaram o conceito de grounding e ampliaram esta visão, mostrando que também temos outros tipos possíveis de grounding, como o grounding interno e o do olhar.
O grounding nos dá a segurança e a base para que a gente possa experimentar as pulsações e movimentos involuntários do corpo, sem medo. Com um bom grounding, não teremos necessidade de controlar nada. Seremos capazes de confiar nas nossas sensações e emoções. Confiar no desconhecido, sabendo que podemos experienciar as sensações novas sem medo de perder o controle, sem medo de morrer e capazes de entrega para o novo.

3. Movimento fisiológico durante a gestação e parto e processos psíquicos
A vida é puro movimento. Ela se manifesta através de movimentos que às vezes são perceptíveis e às vezes sutis, às vezes suaves e às vezes mais fortes. E algumas vezes chegam a ser tempestuosos. Desde a concepção até o parto, a mulher vivencia uma série contínua e incessante de movimentos diferentes dentro de seu corpo, com mudanças fisiológicas provocadas pelas alterações hormonais.
Simultaneamente, o crescimento do feto provoca o deslocamento contínuo de seus órgãos e vísceras. Esse movimento fisiológico e energético movimenta também sentimentos e emoções, fazendo aflorar lembranças, sabedorias, histórias que estão guardados dentro do corpo.
Quando o movimento alcança os registros de situações prazerosas, a sensação é de bem estar. E pode despertar saberes pessoais, ancestrais...
Quando o movimento interno alcança os registros de emoções traumáticas congeladas em couraças, o resultado vai ser o aparecimento de ansiedades, inseguranças, medos, paralisação...
Todos nós temos essas couraças. Os movimentos internos durante a gestação e especialmente na hora do parto mobilizam couraças muito profundas, pois são aquelas relacionadas com os registros de própria concepção, gestação, parto, aceitação ou rejeição e sexualidade.
Ainda temos o nosso superego, provavelmente formado por um pai e/ou mãe dominador que entrará em conflito com a vida pura e inocente que quer se manifestar dentro deste corpo grávido de Vida. As repressões, as vergonhas, os medos, as raivas... estão lá e afloram, dificultando o fluir da dança cósmica que acontece lá dentro.
A gestação é um tempo de mergulhar dentro de si e permitir que a consciência desperte e que a cura aconteça. E esse processo vai resultar numa entrega para o próprio corpo e num parto pleno de movimento livre.
Mas isso não acontece com a maioria das mulheres. Elas estão envolvidas nos seus afazeres cotidianos, especialmente com sua vida profissional e não tem o tempo nem o apoio necessário para viverem a introspecção que a gestação requer.
Muitas delas nem sabem que seria esse um tempo de parar e olhar para dentro. Acostumadas a ouvirem histórias de mulheres que falam que trabalharam até a hora do parto e frases como ”Gravidez não é doença, então viva uma vida normal!”, não percebem a vida chamando lá dentro e o chamado de atenção para os processos internos, sejam fisiológicos ou psíquicos. Não percebem os movimentos internos.
Então o parto chega com seus movimentos avassaladores. É impossível não perceber.
Não tem como controlar. Entregar-se? Como? Susto, medo... pavor... e a necessidade de controle. O que torna as dores muito maiores.
O natural seria o entregar-se, vivenciar cada contração como um mergulho para dentro de si, sintonizando com o movimento do útero, aceitando todas as sensações que brotam de dentro do seu ventre. Quando a mulher é capaz de permitir-se perder o controle da situação, permitir que as fronteiras do concreto se dissolvam e aceitar a expansão da consciência que naturalmente acontece, poderia experimentar o êxtase e transformar o parto numa experiência numinosa*, como nos fala Jean-Yves Leloup.

4. Fisiologia do Parto
Quando o bebê está pronto para nascer, novos movimentos se desencadeiam dentro do corpo da mulher. Ela entra em trabalho de parto. Aqui é importante salientar o que acontece dentro do ventre.
O útero é um músculo oco em cujo interior se desenvolveu o bebê. Na parte inferior, existe uma cavidade fechada por um esfíncter muito forte, composto de um anel de fibras musculares estreitamente tecidas umas às outras: o colo do útero.
Quando começa o trabalho de parto, sob os novos comandos de secreções hormonais, o colo começa a ceder e a dilatar-se até desaparecer completamente para que o bebê saia.  Ele vai amolecendo, abrindo-se, encurtando e estreitando-se... até desaparecer. Isso acontece através das contrações contínuas que agem de dois modos: puxando as comissuras do colo, fazendo-o abrir-se, enquanto o fundo do útero contraído empurra o bebê para baixo. A cada contração, o bebê se apoia com mais força no colo do útero. Desse modo, o colo vai progressivamente se abrindo.
Temos ainda a perda do tampão mucoso. Este é um tipo de secreção que reveste o colo e protege a cavidade uterina de infecções. Quando o trabalho de parto inicia, o tampão se desprende e desliza como um muco viscoso. E em algum momento não definido, temos o rompimento da bolsa com o líquido amniótico.
Quando o colo cede completamente e desaparece, a cabeça da criança pode passar. Agora ela deve girar num movimento de rotação sobre seu próprio eixo para encaixar-se passar pela pelve, que é um anel ósseo estreito que contém os órgãos reprodutores, a bexiga, os intestinos e o reto. Finalmente o bebê deve passar pela abertura da vagina, para poder nascer.
Todo esse processo interno acontece com a liberação de hormônios específicos produzidos pela parte primitiva do cérebro: hipotálamo, pituitária e hipófise e independe da nossa vontade. Mas pode ser prejudicado pelos processos psíquicos inconscientes e pelas interferências externas que mantêm o neo córtex da mulher ativo.

5. A importância do grounding no trabalho de parto e no parto
Vimos que o trabalho de parto e o parto são momentos onde se vivencia a experiência de se deixar contrair e expandir, abrir, desmanchar, dissolver, romper, escorrer, descer e inclusive com a possibilidade de se rasgar.
Qual o tipo de apoio que a mulher realmente precisa no momento do trabalho de parto e parto para que possa se entregar plenamente a todo esse processo? 
Como ajudar a mulher, independente de quanto de couraça ela tenha, a entregar-se para o trabalho de parto e parto? Como ajudá-la a confiar, relaxar e permitir que a natureza aja através dela para que o parto aconteça naturalmente, apesar de seus medos e inseguranças?
Além de um ambiente propício (preparado com penumbra, segurança, aconchego, silêncio...), oferecendo-lhe grounding.
Leboyer afirma que o que dificulta o trabalho de parto e o parto na maioria das vezes é o medo. E que o medo resulta da falta de informação e especialmente da falta de conexão da mulher com seu próprio corpo.
Se pudermos ajudá-la a desenvolver essa conexão durante a gestação, melhor. Mas, independente do quanto ela tenha conseguido fazer o processo, um acompanhante – uma doula ou o seu companheiro - pode ser/oferecer esse grounding.
Como?
Em primeiro lugar a pessoa que estará acompanhando a parturiente deverá ser alguém que ela confie. Alguém que por algum motivo lhe passe, com a sua simples presença a sensação de segurança. Essa pessoa deve ela mesma ter um grounding bem desenvolvido e ser capaz de estar totalmente presente. Isto é: sem pressa, sem olhar no relógio. Deve ser uma pessoa capaz de se entregar ao processo junto com a mulher, sem, no entanto, perder o contato com a realidade. Ela será a ponte entre o Mundo Interior onde a mulher parindo se encontra e o aqui agora da realidade concreta. Ela oferecerá seu contato visual, oferecendo um olhar de aceitação e apoio incondicional. O seu olhar estará dizendo o tempo todo que está tudo bem, que é assim mesmo, que ela pode confiar e viver o seu momento, pois está em segurança. Esse grounding será complementado pelos gestos que este acompanhante perceberá ser necessário para a mulher ou os que ela pedir, como o abraço, a massagem, o segurar nos pés, o toque, estímulo a expressar o seu som... O grounding oferecido por gestos, toques e olhares pode ser a maneira mais eficiente de oferecer esse aterramento necessário para que a mulher permaneça em contato com seu corpo, com seus instintos e a força da natureza agindo através dela. Para que a mulher possa não temer expressar a força selvagem e primitiva que movimenta a vida dentro de si e faz seu filho nascer, o acompanhante/grounding deve sempre trazê-la de volta ao seu corpo e a sua realidade interna sempre que ela por algum motivo sentir-se insegura, tentada ou estimulada de alguma forma a entrar no mundo mental e perder sua conexão interior.


6. Conclusão:
O grounding é essencial para que a mulher possa vivenciar o trabalho de parto e parto de forma natural. Só com um suficiente ancoramento no seu próprio corpo, a energia selvagem e primitiva que naturalmente se manifestam no parto encontrará as condições propícias para poder se manifestar e transformar o parto numa experiência plena, num grande ritual de passagem onde possa nascer o filho e nascer a nova mulher em forma de mãe.

7.  Bibliografia
•  Leboyer, Frédérick. Se Me Contassem O Parto. Ground.
•  Lowen, Alexander. Bioenergética. Summus.
•  Lowen, Alexander e Lowen Leslie. Exercícios de Bioenergética. Agora.
•  Weigand, Otília. Grounding e Autonomia. Person
•  Slides de Anatomia. Jesica Sanchez Loli e Marcel Queiroz (Aula Anatomia e Fisiologia do Parto).
•  Texto: Fisiologia do parto. Jesica Sanchez Loli e Marcel Queiroz (Aula Anatomia e Fisiologia do Parto).
•  Leloup, Jean-Yves. Uma Arte de Cuidar – Estilo Alexandrino. Vozes.
........................................................................
*Numinoso: Sagrado, fascinante, aterrorizador, que transcende os limites da nossa identidade. Experiência da dimensão sagrada da vida, quando se rompe a divisa entre o divino e o humano.
Angelica Pio

Trabalho de conclusão do Curso de Educadora Perinatal ONG Amigas do Parto. Maio/2012: http://www.amigasdopartoprofissionais.com/2012/07/grounding-e-parto.html



Nenhum comentário:

Postar um comentário