Relato de uma Parto Hospitalar Humanizado

Tenho três filhos. Todos nasceram de parto normal.

Vou narrar aqui o meu terceiro parto.

Era 2 de janeiro de 1991, na cidade de Porto Alegre.

Acordei cedo sentindo contrações diferentes. Eu sabia que era o aviso de que chegara o dia do parto. Eram contrações muito precisas e aconteciam numa frequência constante.

Avisei meu médico. Ele já tinha me acompanhado no segundo parto. Acreditou no que eu estava dizendo: que esse era o dia. Eu, meu marido e ele nos encontramos à tarde.  Já tínhamos combinado que eu ficaria em casa até a hora que eu achasse que deveria ir para o hospital.

Assim, fiquei na minha casa o dia todo com minha família. O calor era intenso...  No final da tarde, fui caminhar pelas ruas calmas do bairro Menino Deus, onde morava. Eu e meu marido caminhamos pela Av. Ganzo, repleta de árvores e flores. Naquela época essa rua era quase sem movimento de carros.
Em algum momento, à noite, avisei o médico e fomos para o hospital.

Meu marido ficou o tempo todo comigo.

O médico me avisou que ficaria repousando numa sala enquanto eu ficava à vontade. Eu podia fazer o que quisesse. Podia deitar, podia caminhar... Às vezes ele vinha espiar e ver como eu estava. Eu só sorria e dizia que estava tudo bem.  Fiquei caminhando, de braço com meu marido. Quando as contrações vinham, eu me apoiava nele e me sentia segura. Podia abraçá-lo. Podia ser amparada e acariciada. Eu estava confiante. Não tinha enfermeiras, não tinha equipe médica. Ninguém.

Ninguém para dizer que eu não podia fazer “fiasco”, que não podia gemer... Ninguém pra me dizer que eu tinha que ficar deitada, ninguém pra me dar “sorinho” (ocitocina sintética), ninguém pra fazer enema, nem tricotomia pubiana.  Ninguém para dizer que se não parisse em x minutos, teria que fazer uma cesariana. Ninguém para gritar: “Força, mãe! Empurra! Tu não tá ajudando!”

Não prenderam meus cabelos enormes, não mandaram eu tirar brincos, pulseiras, nem a corrente com a ágata que eu tinha pendurada no pescoço.
O mundo era eu, meu marido e minha filha que estava nascendo. E o médico, que eu sentia como um amigo, que estava na sala ao lado respeitando o meu momento.

Quando eu senti aquela força irresistível, mágica e selvagem brotando dentro de mim, aquela força que eu já conhecia, e que era a vontade de me agachar e expelir, avisei o médico e fomos encaminhados para uma sala que estava pronta me esperando.

Uma sala na penumbra. Muitos panos azuis no chão faziam um ninho que parecia um céu.

Meu marido sentou numa escada estrategicamente colocada para me apoiar pelas costas e eu me acocorei no ninho azul.

O médico sorria e falava algumas palavras de apoio, que não consigo lembrar. Só lembro quando ele disse que na próxima contração minha filha nasceria. E assim foi.

O médico aparou, enquanto ela deslizava no céu azul feito de lençóis.

Sem peridural, sem episiotomia, sem fórceps.

Eu a peguei. Eu a coloquei no meu peito. Do lado esquerdo, instintivamente, para que ela ouvisse meu coração, como ela estava acostumada a ouvir quando estava dentro de mim.

Nessa hora o tempo não existe. Duas almas unidas num imenso amor.

De repente o médico mostrou como o cordão tinha parado de pulsar. E me ofereceu uma tesoura para que eu mesma cortasse o cordão. Eu peguei a tesoura e eu cortei o cordão, com a certeza de que ele não pulsava mais. Ficamos assim, juntinhas.

Esse médico tinha uma parceria com um  pediatra que o acompanhava e ambos faziam uma bela dupla, respeitando esse momento tão sagrado. Nada de colírios, nada de aspirações, nada de intervenções...

Estava com a consciência alterada, o que acontece naturalmente quando não se interfere no processo natural, e não lembro muito das coisas concretas, mas lembro que num momento o pai pegou a filha e saiu dançando e cantando pela sala. O médico sorria. Minha alma estava em Paz!!!

Ela nasceu passando da 1h do dia 3. Na mesma manhã fomos para casa.

Minha gratidão a esse ser que já não está mais entre nós.  Médico carismático, corajoso e amoroso.

Mas sabemos que as histórias de partos hospitalares estão longe de se parecerem com a narrativa acima.

Neste momento estamos vulneráveis e precisamos da assistência de alguém em quem confiamos e sabemos que vai agir quando necessário, de acordo com a real necessidade e de acordo com o desejo da mulher.

Alguém que saiba se posicionar quando necessário para permitir que o parto transcorra de forma respeitosa e amorosa.

O que vemos são Intervenções desnecessárias e prejudiciais, humilhações, desrespeito, maus tratos...

Eu penso que hospital não deveria ser lugar de nascimento! Hospital é lugar para tratar de doentes.

Precisamos de Casas de Parto!

Casas de Parto que possam oferecer o aconchego, conforto e privacidade necessários para um parto natural e ao mesmo tempo oferecer todos os recursos médicos no caso de necessidade.

E se a mulher optar pelo hospital, que assim seja! Mas que seja um parto humanizado, com respeito à mulher, ao pai, ao bebê, à VIDA!

Que seja respeitada a opção de cada uma e para que todas tenham a assistência que precisam e escolhem em qualquer lugar e em qualquer tempo.

Angelica Pio

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